14 de jul. de 2010

Leia a íntegra do acórdão do TJSP sobre a greve de 2000

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 994.05.127932-2, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes HELOÍSA JUNQUEIRA FRANCO VARELLA e ORTENCIA POLEGATO sendo apelado FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em 3* Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores MAGALHÃES COELHO (Presidente sem voto), LEONEL COSTA E ÂNGELO MALANGA.

São Paulo, 15 de junho de 2010.

MARREY UINT

RELATOR

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO

Voto n.° 8517

Apelação Cível n°: 994.05.127932-2 / 463.786/1-00

Comarca: São Paulo

Apelante: Heloísa Junqueira Franco Varella e outra

Apelado: Fazenda do Estado de São Paulo

APELAÇÃO CÍVEL -Servidor Público •

Direito de greve -Atribuição de faltas – Inadmissibilidade • Aplicação da lei n° 7.783/89 à greve do setor público •

Entendimento do STF: Ml 670/ES, 708/DF e 712/PA -Faltas anuladas -Sentença reformada -Recurso provido.

Trata-se de ação de procedimento ordinário ajuizada por Heloísa Junqueira Franco Varella e Ortência Polegato em face da Fazenda do Estado de São Paulo, em que objetivam anular as faltas consignadas nos prontuários das autoras no período em que se ausentaram em decorrência da greve ocorrida em 08/05/00 à 14/06/00, tendo em vista que repuseram integralmente os dias parados nos termos dos Planos de Reposição das Unidades Escolares e da resolução SE 61/2000.

A sentença julgou a ação improcedente, condenando as autoras ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor atribuído à causa (fls. 57/58).

Apela as autoras (fls. 62/65). Sustentam, em síntese, que a ação não tem por causa de pedir próxima o direito de greve, mas sim, fundamenta-se no direito resultante do atendimento às determinações legais por parte das apelantes, em relação às disposições da Lei Federal n° 9394/96, em cujo artigo 24, inciso I, há a exigência do cumprimento de 200 dias letivos de efetivo trabalho escolar em relação aos alunos da rede pública estadual, reposição esta devidamente cumprida por elas, que cumpriram as determinações contidas na Resolução SE n° 61, de 16/06/2000, que disciplinou a reposição de aulas não ministradas durante o período de paralisação, que a reposição realizada está devidamente comprovada nos autos através de prova documental e “que embora não exista previsão legal específica para a anulação de faltas relativas a greve, é certo que a resolução secretarial e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional são suficientes para embasar o acolhimento do pleito das apelantes”. Pugnam, assim, pela reforma integral da sentença.

O recurso foi recebido no duplo efeito (fls. 68). Foi apresentada contrarrazões (fls. 70/75).

É o relatório do essencial.

Não há preliminares arguidas.

A sentença merece ser integralmente reformada pelas razões que seguem.

A doutrina e a jurisprudência, desde a promulgação da Carta Política de 1988, entendiam que o direito de greve dos servidores públicos, muito embora previsto constitucionalmente (art. 37, inciso VII, da CF/88), dependia de uma regulamentação infraconstitucional para ser exercido, isto é, cuidava-se, segundo a classificação de José Afonso da Silva, de uma norma constitucional de eficácia limitada.

Entretanto, recentemente, o tema foi enfrentado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, dando-se, finalmente, interpretação coerente e diversa àquela até então pacífica sobre o tema. Entendeu a Suprema Corte, que a mora legislativa na produção de uma lei, que viabiliza-se o direito constitucional de greve, não pode perdurar para todo o sempre, deve assim, o Supremo agir como “legislador positivo” na busca de dar maior aplicação aos direitos individuais e sociais colocados na Carta Política. Dessa forma, entendeu o plenário, pela aplicação da lei que regulamenta o direito de greve do setor privado ao setor público, até que lei específica regule o tema para o setor público. Adotou-se a posição concretista para o julgamento de mandado de injunção (Mandados de injunção ns° 670, 708 e 712).

Nesse sentido se manifestou o STF, “verbis”:

“Decisões em que se declarou a mora do Poder Legislativo e cuja matéria ainda se encontra pendentes de disciplina:

(…)

Direito de Greve

O Tribunal julgou três mandados de injunção impetrados, respectivamente, pelo Sindicato dos Servidores da Polícia Civil no Estado do Espírito Santo SINDIPOL, pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa -SINTEM, e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará -SINJEP, em que se pretendia fosse garantido aos seus associados o exercício do direito de greve previsto no art. 37, VII, da CF (“Art. 37. … VII -o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;”). O Tribunal, por maioria, conheceu dos mandados de injunção e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação, no que couber, da Lei 7.783/1989, que dispõe sobre o exercício do direito de greve na iniciativa privada. (Ml 670/ES, rei. orig. Min. Maurício Corrêa, rei. pi o acórdão Min. Gilmar Mendes, 25.10.2007; Ml 708/DF,

rel. Min. Gilmar Mendes, 25.10.2007; Ml 7121?A, rei. Min. Eros Grau, 25.10.2007)” ‘

Aplica-se, portanto, às autoras o disposto na lei n° 7.783/1989. Referida lei não é omissa quanto ao tema das faltas, a saber:

“Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos:

I -o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve; II -a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento.

§ 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem.

§ 2º É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento.

§ 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa.

Art. 7° Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitrai ou decisão da Justiça do Trabalho.

Parágrafo único. É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores substitutos, exceto na ocorrência das hipóteses previstas nos arts. 9º e 14.

(grifos nossos)

Pois bem. Imputar faltas aos grevistas, como ocorreu “in casu”, nada mais é do que “constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho”, funcionando como forma de “frustar a divulgação do movimento”, atitudes essas vedadas expressamente em lei.

E ainda dispõe a lei, “observadas as condições previstas nesta lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho”, isto é, a suspensão do contrato de trabalho acarreta a paralisação dos seus efeitos jurídicos, ou seja, o empregado não presta serviços, tampouco o empregador paga-lhe o salário. Assim, correto o desconto de vencimentos, mas não a atribuição de faltas, pois não há essa autorização em lei.

Equivoca-se a Fazenda na atribuição de faltas, vez que restou comprovado nos autos que as horas foram compensadas, de acordo com a Resolução SE n° 61. de 16/06/2000 (fls. 14/14v°, 16/16v°, 26/31 e 44/50) .

No mais, é flagrante a ilegalidade na atribuição de faltas em prontuário funcional, sendo que, entretanto, as aulas foram efetivamente repostas (fls. 14/14v°, ló/16v°, 26/31 e 44/50). Não há razoabilidade em atribuir faltas, tendo em vista que as aulas foram efetivamente lecionadas e portanto houve efetiva prestação de serviço, sendo, obviamente devidos os vencimentos integrais.

Ademais, outra razão pela qual a sentença merece ser reformada, diz respeito a “rotulação” dos movimentos sociais. O Estado Democrático de Direito permite as manifestações sociais, respeitados os requisitos constitucionais. No entanto, o que se vê é que a mídia e as autoridades rotulam as manifestações sociais como “eleitoreiras”, “ilegais”, “violentas”, que elas atrapalham, ainda, o cotidiano dos grandes centros (trânsito, hospitais, segurança, serviços essenciais etc), dando sempre azo à imprudência e irresponsabilidade dos manifestantes.

Entretanto, essa cultura, não mais encontra respaldo no texto constitucional. Este prestigia, regulamenta os movimentos sociais e dá ampla autorização para sua realização.

Evidentemente, por óbvio, se determinada classe está em greve, não é possível a realização plena das atividades laborativas rotineiras. Sendo, portanto, inevitável a ausência. No entanto, não se pode punir com faltas aquele que faz greve, pois, estar-se-á de forma indireta a inibir a manifestação social, o que, não é permitido pelo texto constitucional.

Sendo assim, as faltas relativas ao período de paralisação devem ser retiradas do prontuário das autoras, anulando-as, inclusive para efeitos funcionais, conforme o pedido descrito na peça vestibular.

Por derradeiro, consigna-se que se o Estado cumprisse a Constituição, talvez não houvesse espaço para a realização de greve no setor público, como, alias, vem ocorrendo no setor privado, onde o diálogo tem sido exercitado com êxito.

Dessa forma, tendo em vista a inversão da sucumbência, nos termos do art. 20, § 4o, do CPC, deve arcar a apelada com as custas, despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Em face do exposto, dá-se provimento o recurso.

MARREY UINT
RELATOR
Fonte: Apeoesp

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