Por Gilberto P. de Souza*
AQUELE QUE NÃO CONHECE A HISTÓRIA ESTÁ FADADO A REPETI-LA
O desenvolvimento retardatário do capitalismo periférico em nosso país criou a terceira formação social mais desigual dentre os seus parceiros de América Latina e Caribe – segundo dados do PNUD, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – perdendo apenas para países como Bolívia e Haiti.
Tais níveis de desigualdade social se refletem na educação; enquanto uma pequena elite estuda em escolas de “primeiro mundo” - na sua grande maioria privadas que cobram mensalidades astronômicas para os padrões de vida tupiniquins e umas pouquíssimas públicas que se dão ao luxo de selecionar seus alunos através de rigorosíssimos exames de seleção - formando uma camada privilegiada de menos de 5% dos estudantes brasileiros; a grande massa do estudantado frequenta escolas públicas e privadas de segunda linha – as mesmas que têm sido sistematicamente “reprovadas” nas avaliações institucionais feitas pelos governos federal, estaduais e municipais.
Como a boa lógica ensina, o todo é maior do que a somatória pura e simples de suas partes constitutivas ou, por outras palavras, o todo determina/ condiciona as partes; a crise quase terminal da educação, em especial da educação pública, no Brasil é parte estrutural, está no DNA, da constituição de uma sociedade periférica, profundamente desigual e culturalmente atrasada.
Um programa para combater a crise da escola pública brasileira deve ser, antes de mais nada, uma política pública e estatal de combater as causas estruturais de nossas desigualdades sociais e de nosso atraso cultural.
Nosso país possui, segundo o IBGE, 15 milhões de analfabetos – leia-se ágrafos – e os analfabetos funcionais – os que não sabem ler e escrever com pleno domínio – variam de 60 a 75 milhões de pessoas; o que nos leva ao despautério de possuirmos, potencialmente, 90 milhões de analfabetos, entre ágrafos e funcionais. A escola sequer é capaz de ensinar a ler e escrever a maioria das pessoas que por ela passam.
Segundo pesquisa feita pela Câmara Brasileira do Livro em 2008, o brasileiro compra, em média, 1,2 livro por ano – se descontarmos da pesquisa os 6,2 milhões que declaram ter acesso somente à Bíblia, a média despenca para menos de um livro por habitante – distribuído desigualmente, como a riqueza em nossa sociedade, uma vez que, na mesma pesquisa, 47 milhões de pessoas declararam nunca ler livros. Os principais motivos para não ler foram falta de tempo, o alto preço dos livros e cansaço.
Uma primeira e elementar conclusão é que a esmagadora maioria de nossa população, devido à super-exploração do trabalho e as profundas desigualdades sociais – nesta lógica jamais terá acesso aos bens culturais e ao conhecimento; pela falta de condições cognitivas, socioeconômicas, ou as duas coisas.
Um programa socialista par a educação somente será digno deste nome se partir do combate a exploração do Homem pelo Homem; se partir da necessidade da melhoria das condições de vida e trabalho da maioria da população e dos jovens em particular. Exigir a redução da jornada de trabalho (36 horas semanais e horário diferenciado para estudantes), salário mínimo do DIEESE e estabilidade no emprego.
Também o Estado deve ser o agente de uma política educacional e cultural com a construção e manutenção de equipamentos públicos de cultura e lazer em todas as cidades e periferias dos grandes e médios centros urbanos – teatros, bibliotecas, clubes desportivos, museus científicos e artísticos.
EDUCAÇÃO NÃO RIMA COM LUCRO
Os dois mandatos de FHC e Lula são responsáveis por um processo “nunca visto antes na história deste país”, como gosta de dizer o tempo todo nosso atual presidente, de privatização sistemática da educação – da educação básica ao ensino superior.
Governos estaduais e municípios gastam boa parte dos recursos destinados ao ensino de jovens e crianças em parcerias com empresas privadas de ensino – compra de livros e apostilas, contratação de instituições privadas para “formação” de professores, compra de vagas em escolas privadas e repasse de verbas às fatídicas ONG’s, e infindáveis outros mecanismos – e reduzem ano a ano as verbas investidas na educação; destroem as carreiras docentes e condenam os mesmos a conviverem com salários que beiram à miséria; sem falar do abandono das escolas onde alunos, professores e demais funcionários convivem com um cotidiano de horrores de violência e péssimas condições de trabalho para os docentes e de aprendizagem para os jovens.
Como exemplo desta tragédia grega o governo de São Paulo gastou em 2009 com parcerias mais de R$ 260 milhões de verbas da educação – o suficiente para conceder o reajuste reivindicado pelos professores estaduais na greve de 2010 – e mais de 70% dos municípios mantém parcerias com sistemas didáticos privados de ensino (COC, Objetivo, Positivo, Anglo, etc).
Este processo de privatização da educação básica contou, e conta, com a ajuda de duas políticas federais, que são a mesma apesar dos arautos do neoreformismo afirmarem o contrário, o FUNDEF – que estimulou a municipalização do ensino fundamental nos dois mandatos de FHC – e o FUNDEB – criação do lulopetismo – que permite a municipalização de todo o ensino básico, deixando prefeitos e empresários de mãos livres para fazerem a farra com o dinheiro público destinado ao ensino.
A educação superior não foge a este cenário hediondo. FHC foi agente de um processo de expansão acelerada do ensino privado, enquanto as universidades públicas se viram asfixiadas pela eterna “falta de verbas” e as empresas do ensino se esbaldavam nos empréstimos subsidiados -- com prazos a perder de vista e módicas prestações para dar inveja até as Casas Bahia -- do BNDES.
Lula foi mais além; continuou com a expansão desenfreada do ensino superior privado, agora através dos empréstimos para lá de generosos do BNDES e de uma invenção de seu governo, o PROUNI -- compra de vagas, na maioria dos casos ociosas, nas instituições privadas, a um custo-aluno quatro vezes maior do que na rede pública segundo o ANDES-SN; salvando muitas dessas instituições da falência pura e simples.
A REUNI, reforma universitária, completa este filme de horror. Por este conjunto de leis e decretos as fundações privadas, que tomaram de assalto as universidades paulistas –principalmente a USP – estão sendo legalizadas e generalizadas para todas as instituições federais e ingerindo na administração dos recursos e na pesquisa que está sendo voltada para o mercado.
Juntamente com o fortalecimento das fundações privadas – leia-se do capital dentro das universidades – o REUNI promove uma expansão desordenada das instituições federais de ensino superior – retomando os “escolões” de FHC/Paulo Renato – com o aumento das vagas sem a contrapartida do aumento dos recursos materiais e humanos. Assim o tripé – ensino-pesquisa-extensão – que é a base das universidades brasileiras, uma conquista das comunidades acadêmica e estudantil e da própria sociedade, começa a ser abalado e a própria pesquisa começa a servir diretamente aos grandes grupos econômicos representados nas fundações de direito privado incrustadas na estrutura universitária.
Esta mercantilização, e consequente privatização, do ensino tem provocado um duplo apartheid educacional. Primeiramente, para classes sociais diferentes escolas diferentes, filhos de trabalhadores e de burgueses não estudam no mesmo lugar escolar, na educação básica os primeiros frequentam as escolas públicas, cada vez mais sucateadas, e no caso dos setores médios em algumas escolas privadas de segunda linha na busca ilusória de um ensino melhor. Os segundos frequentam as escolas de elite, geralmente privadas e com mensalidades altíssimas.
Mas, o apartheid não se limita aos aspectos geográfico e socioeconômico. Está assumindo também uma dimensão cultural, atingindo diretamente um direito consagrado pelas revoluções burguesas e pelos movimentos trabalhistas no período das revoluções francesa e industrial, negando o acesso ao conhecimento e a cultura.
A escola pública tem sido criticada tradicionalmente, na educação básica, por não cumprir de maneira adequada seus objetivos – alfabetizar e transmitir conhecimento aos alunos – que eram os mesmos das escolas privadas que, supostamente, cumpriam esses objetivos de maneira mais satisfatória que suas congêneres públicas.
A grande “descoberta” do neoliberalismo é que classes sociais diferentes devem ter uma educação diferente de acordo com seu lugar social no processo de produção e circulação de mercadorias; é a ideologia da “regulação das aprendizagens” de Perrenoud e outros, cada escola deve ensinar seus alunos de acordo com suas expectativas na vida; nem todos aprenderão a mesma coisa, nem todas as escolas ensinarão a mesma coisa.
É a clássica educação de classe; para os burgueses e seus herdeiros uma educação clássica – universal, ciência e cultura geral – e para os trabalhadores e seus filhos apenas o estritamente necessário para servir ao capital. Não por acaso, na LDB, a alfabetização deve abranger todo o ensino fundamental e em vários estados, como São Paulo, ela compreende toda a educação básica.
O mesmo acontece no ensino superior. Com o PROUNI/REUNI estão sendo criados verdadeiros “escolões” destinados a formar mão-de-obra um pouco mais qualificada para o capital; são as instituições privadas financiadas pelo PROUNI e as instituições públicas filhas da expansão desordenada da REUNI, todas voltadas para os antes “excluídos” do ensino superior. A pesquisa se concentra, cada vez mais, em algumas poucas instituições de elite que trabalham em parcerias, cada vez mais frequentes, como mercado.
A expansão do ensino a distância é mais uma faceta desta “escola de classe”, do apartheid educacional, e não por acaso se destina fundamentalmente a formação de professores para o ensino público e aos antes excluídos do ensino superior.
A privatização/mercantilização ameaça diretamente o trinômio ensino-pesquisa-extensão de nossas universidades e o acesso à educação como direito de todos; não apenas por criar uma “escola de classe”, mas também por transformar o direito ao ensino e a aprendizagem como uma questão individual, ou se tanto familiar, como reza na LDB e na Constituição Federal; se a pessoa não aprende é um problema dela, de seu professor ou da família; nunca do Estado. O neoliberalismo é a negação da educação como direito e dever do Estado, transformou a educação em serviço, como prescreve a OMC.
Um programa socialista para a educação deve partir de uma premissa simples e elementar; educação somente será um direito de todos se for pública e estatal, o que implica na estatização do ensino privado, no fim das parcerias público-privadas e das fundações privadas nas universidades; verbas públicas somente para escolas públicas, na defesa do trinômio ensino-pesquisa-extensão nas universidades públicas e da autonomia universitária e no fim do PROUNI/REUNI e também no fim do ensino à distância.
NÃO EXISTE ALMOÇO DE GRAÇA
Esta frase do economista Milton Friedman, decano do neoliberalismo, necessariamente deve ser completada com outra: Quem paga a conta?
Os trabalhadores, a juventude, os professores e os demais trabalhadores da educação têm pagado a conta da privatização e da mercantilização do ensino com os baixos salários e as cada vez mais precárias condições de trabalho na educação básica; e no ensino superior com o aviltamento da profissão através da ingerência do capital privado nas pesquisas, o aumento do número de alunos por professor e com o achatamento dos salários.
A juventude sofre com a má qualidade do ensino básico, com o desemprego, com a violência e com a ausência de condições para freqüentar as universidades públicas; ano após ano as verbas para moradia estudantil, alimentação e bolsas são reduzidas. Segundo dados oficiais 20% dos jovens egressos do ensino médio jamais terão um emprego formal, o desemprego é três vezes maior na juventude do que nos demais segmentos da classe trabalhadora, os jovens formam mais de 64% dos desempregados do Brasil, a principal causa mortes entre a juventude é assassinato, seja pelo crime organizado ou uniformizado.
Enquanto isso “no andar de cima” alguns poucos nababos fazem a festa com o dinheiro público que poderia ser usado para melhorar a educação e a vida de milhões de brasileiros; tal qual Maria Antonieta e a nobreza francesa pré-revolução nos mandam comer brioches para aplacarmos a fome.
Segundo o governo federal (Lula), através do SIAF, os encargos com a dívida pública – juros e amortizações – consumiram 35,57% do orçamento de 2009; mais do que previdência social, saúde e educação juntas, que levaram no total 33,43% do bolo orçamentário, ficando cada uma das principais áreas sociais do governo com, respectivamente, 25,91%, 4,64% e 2,88%.
Os programas de assistencialismo do governo Lula, incluindo aí o fome zero, consumiram apenas 3,09% do orçamento, nem 10% do que foi doado aos agiotas da dívida pública brasileira; e quando foi estabelecido o corte de R$10 bilhões do orçamento de 2010 para fazer frente aos efeitos da crise mundial a equipe econômica de Lula não titubeou, cortou R$2,5 bilhões das verbas do ministério da educação.
O economista guru dos “Chicago Boys”, os economistas ultra-neoliberais da Universidade de Chicago, Milton Friedman tem razão: alguém deve pagar a conta; os grandes capitalistas que se esbaldam à custa do sofrimento de milhões.
Um programa socialista para a educação deve começar pelo não pagamento das dívidas interna e externa, passando pela estatização do sistema financeiro para termos mais verbas para a educação – de pré-escola a universidade – com o investimento de 10% do PIB como mínimo; com o atendimento de todas as reivindicações sindicais e profissionais de professores, estudantes e trabalhadores do ensino, piso salarial nacional para os professores de educação básica (piso do DIEESE por 20 horas/aula e 50 % de hora atividade); bolsas (alimentação, permanência e pesquisa) para todos os estudantes universitários.
DEMOCRACIA X MERCADO
A privatização, para ser aplicada de maneira consequente no interior das escolas, seja na educação básica ou na educação superior, assume necessariamente um viés autoritário; é a versão educacional da criminalização dos movimentos sociais. A burocracia escolar, diretores ou reitores, proclamam a liberdade individual do estudante, que este é o protagonista do processo de aprendizagem – na versão neoliberal e pós-moderna do construtivismo ninguém ensina ninguém e o aluno aprende sozinho – mas lhe nega, na prática dois direitos fundamentais, o acesso ao conhecimento e o direito de se organizar sindicalmente por local de estudo. Grêmio Livre são duas palavras que provocam a ira da maioria dos diretores, a grande maioria das instituições privadas no ensino superior perseguem e punem os estudantes que ousam organizar centros ou diretórios acadêmicos, o mesmo acontece em universidades públicas.
Esta conduta antissindical é a outra faceta da privatização; para negar o acesso da juventude ao conhecimento e à ciência e para servir governos diretamente vinculados ao capital, é necessário calar a voz dos que discordam.
Um programa socialista para a educação deve defender a total democracia no interior das escolas, faculdades e universidades; a irrestrita liberdade de cátedra; a mais ampla liberdade de ensinar dos professores e a total liberdade de aprender dos jovens; conselhos deliberativos e paritários formados por professores, alunos e pais (no caso da educação básica); eleições diretas para todos os cargos diretivos; total liberdade de associação, manifestação e expressão e o fim dos organismos de controle governamental ou inspeção escolar.
“AQUELE QUE SABE PELO QUE LUTA, LUTA MAIS E MELHOR”
(Oliver Cronwell)
Um programa somente faz sentido se estiver a serviço de uma estratégia, senão falarmos claramente aonde queremos chegar - como e por quem este programa será aplicado - pode se tornar um conjunto de frases de efeito, efeito duvidoso diga-se de passagem, algo parecido com as promessas dos partidos do capital – incluindo aí a esquerda oficial.
Tal como Marx acreditamos na força das ideias, que estas podem, e devem, ser a base de um movimento de transformação social, neste caso não apenas na defesa do direito universal a educação, mas também na luta pelo socialismo.
Não haverá genuinamente educação pública de qualidade para todos numa sociedade fundada na exploração, na desigualdade e na opressão; numa ordem social a serviço de uma minoria privilegiada, num mundo onde o sucesso individual só é possível com o fracasso de milhões.
É necessária a unidade das lutas educacional, sindical e política; as reivindicações salariais e funcionais dos professores são pedagógicas, nossas reivindicações pedagógicas são sindicais – pois somente serão atendidas enfrentando e derrotando os governos que servem ao capital contra a escola pública – e ambas são a base para uma educação pública de qualidade para todos. Mas, não nos iludamos, estas lutas assumem forçosamente uma dimensão política e estratégica; sua conquista implica na derrota do capital, é parte da construção de um projeto de sociedade.
As lutas cotidianas de jovens, professores, pais trabalhadores e demais trabalhadores da educação devem estar a serviço da sobrevivência diária neste “mondo canni”, neste reino da necessidade; mas também devem ser o passaporte para a construção diária, cotidiana, em cada local de estudo e trabalho do combate a exploração e a opressão, da construção do reino da liberdade, do socialismo.
Para tal é necessário a unidade de jovens - do ensino básico e da universidade – com professores e funcionários da educação – do ensino básico a universidade – e com os demais trabalhadores criando, juntamente com suas organizações, um movimento social poderosíssimo em defesa do direito universal a educação pública e de qualidade para todos.
*Gilberto P. de Souza – professor de rede estadual-sp e militante da APEOESP
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AQUELE QUE NÃO CONHECE A HISTÓRIA ESTÁ FADADO A REPETI-LA
O desenvolvimento retardatário do capitalismo periférico em nosso país criou a terceira formação social mais desigual dentre os seus parceiros de América Latina e Caribe – segundo dados do PNUD, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – perdendo apenas para países como Bolívia e Haiti.
Tais níveis de desigualdade social se refletem na educação; enquanto uma pequena elite estuda em escolas de “primeiro mundo” - na sua grande maioria privadas que cobram mensalidades astronômicas para os padrões de vida tupiniquins e umas pouquíssimas públicas que se dão ao luxo de selecionar seus alunos através de rigorosíssimos exames de seleção - formando uma camada privilegiada de menos de 5% dos estudantes brasileiros; a grande massa do estudantado frequenta escolas públicas e privadas de segunda linha – as mesmas que têm sido sistematicamente “reprovadas” nas avaliações institucionais feitas pelos governos federal, estaduais e municipais.
Como a boa lógica ensina, o todo é maior do que a somatória pura e simples de suas partes constitutivas ou, por outras palavras, o todo determina/ condiciona as partes; a crise quase terminal da educação, em especial da educação pública, no Brasil é parte estrutural, está no DNA, da constituição de uma sociedade periférica, profundamente desigual e culturalmente atrasada.
Um programa para combater a crise da escola pública brasileira deve ser, antes de mais nada, uma política pública e estatal de combater as causas estruturais de nossas desigualdades sociais e de nosso atraso cultural.
Nosso país possui, segundo o IBGE, 15 milhões de analfabetos – leia-se ágrafos – e os analfabetos funcionais – os que não sabem ler e escrever com pleno domínio – variam de 60 a 75 milhões de pessoas; o que nos leva ao despautério de possuirmos, potencialmente, 90 milhões de analfabetos, entre ágrafos e funcionais. A escola sequer é capaz de ensinar a ler e escrever a maioria das pessoas que por ela passam.
Segundo pesquisa feita pela Câmara Brasileira do Livro em 2008, o brasileiro compra, em média, 1,2 livro por ano – se descontarmos da pesquisa os 6,2 milhões que declaram ter acesso somente à Bíblia, a média despenca para menos de um livro por habitante – distribuído desigualmente, como a riqueza em nossa sociedade, uma vez que, na mesma pesquisa, 47 milhões de pessoas declararam nunca ler livros. Os principais motivos para não ler foram falta de tempo, o alto preço dos livros e cansaço.
Uma primeira e elementar conclusão é que a esmagadora maioria de nossa população, devido à super-exploração do trabalho e as profundas desigualdades sociais – nesta lógica jamais terá acesso aos bens culturais e ao conhecimento; pela falta de condições cognitivas, socioeconômicas, ou as duas coisas.
Um programa socialista par a educação somente será digno deste nome se partir do combate a exploração do Homem pelo Homem; se partir da necessidade da melhoria das condições de vida e trabalho da maioria da população e dos jovens em particular. Exigir a redução da jornada de trabalho (36 horas semanais e horário diferenciado para estudantes), salário mínimo do DIEESE e estabilidade no emprego.
Também o Estado deve ser o agente de uma política educacional e cultural com a construção e manutenção de equipamentos públicos de cultura e lazer em todas as cidades e periferias dos grandes e médios centros urbanos – teatros, bibliotecas, clubes desportivos, museus científicos e artísticos.
EDUCAÇÃO NÃO RIMA COM LUCRO
Os dois mandatos de FHC e Lula são responsáveis por um processo “nunca visto antes na história deste país”, como gosta de dizer o tempo todo nosso atual presidente, de privatização sistemática da educação – da educação básica ao ensino superior.
Governos estaduais e municípios gastam boa parte dos recursos destinados ao ensino de jovens e crianças em parcerias com empresas privadas de ensino – compra de livros e apostilas, contratação de instituições privadas para “formação” de professores, compra de vagas em escolas privadas e repasse de verbas às fatídicas ONG’s, e infindáveis outros mecanismos – e reduzem ano a ano as verbas investidas na educação; destroem as carreiras docentes e condenam os mesmos a conviverem com salários que beiram à miséria; sem falar do abandono das escolas onde alunos, professores e demais funcionários convivem com um cotidiano de horrores de violência e péssimas condições de trabalho para os docentes e de aprendizagem para os jovens.
Como exemplo desta tragédia grega o governo de São Paulo gastou em 2009 com parcerias mais de R$ 260 milhões de verbas da educação – o suficiente para conceder o reajuste reivindicado pelos professores estaduais na greve de 2010 – e mais de 70% dos municípios mantém parcerias com sistemas didáticos privados de ensino (COC, Objetivo, Positivo, Anglo, etc).
Este processo de privatização da educação básica contou, e conta, com a ajuda de duas políticas federais, que são a mesma apesar dos arautos do neoreformismo afirmarem o contrário, o FUNDEF – que estimulou a municipalização do ensino fundamental nos dois mandatos de FHC – e o FUNDEB – criação do lulopetismo – que permite a municipalização de todo o ensino básico, deixando prefeitos e empresários de mãos livres para fazerem a farra com o dinheiro público destinado ao ensino.
A educação superior não foge a este cenário hediondo. FHC foi agente de um processo de expansão acelerada do ensino privado, enquanto as universidades públicas se viram asfixiadas pela eterna “falta de verbas” e as empresas do ensino se esbaldavam nos empréstimos subsidiados -- com prazos a perder de vista e módicas prestações para dar inveja até as Casas Bahia -- do BNDES.
Lula foi mais além; continuou com a expansão desenfreada do ensino superior privado, agora através dos empréstimos para lá de generosos do BNDES e de uma invenção de seu governo, o PROUNI -- compra de vagas, na maioria dos casos ociosas, nas instituições privadas, a um custo-aluno quatro vezes maior do que na rede pública segundo o ANDES-SN; salvando muitas dessas instituições da falência pura e simples.
A REUNI, reforma universitária, completa este filme de horror. Por este conjunto de leis e decretos as fundações privadas, que tomaram de assalto as universidades paulistas –principalmente a USP – estão sendo legalizadas e generalizadas para todas as instituições federais e ingerindo na administração dos recursos e na pesquisa que está sendo voltada para o mercado.
Juntamente com o fortalecimento das fundações privadas – leia-se do capital dentro das universidades – o REUNI promove uma expansão desordenada das instituições federais de ensino superior – retomando os “escolões” de FHC/Paulo Renato – com o aumento das vagas sem a contrapartida do aumento dos recursos materiais e humanos. Assim o tripé – ensino-pesquisa-extensão – que é a base das universidades brasileiras, uma conquista das comunidades acadêmica e estudantil e da própria sociedade, começa a ser abalado e a própria pesquisa começa a servir diretamente aos grandes grupos econômicos representados nas fundações de direito privado incrustadas na estrutura universitária.
Esta mercantilização, e consequente privatização, do ensino tem provocado um duplo apartheid educacional. Primeiramente, para classes sociais diferentes escolas diferentes, filhos de trabalhadores e de burgueses não estudam no mesmo lugar escolar, na educação básica os primeiros frequentam as escolas públicas, cada vez mais sucateadas, e no caso dos setores médios em algumas escolas privadas de segunda linha na busca ilusória de um ensino melhor. Os segundos frequentam as escolas de elite, geralmente privadas e com mensalidades altíssimas.
Mas, o apartheid não se limita aos aspectos geográfico e socioeconômico. Está assumindo também uma dimensão cultural, atingindo diretamente um direito consagrado pelas revoluções burguesas e pelos movimentos trabalhistas no período das revoluções francesa e industrial, negando o acesso ao conhecimento e a cultura.
A escola pública tem sido criticada tradicionalmente, na educação básica, por não cumprir de maneira adequada seus objetivos – alfabetizar e transmitir conhecimento aos alunos – que eram os mesmos das escolas privadas que, supostamente, cumpriam esses objetivos de maneira mais satisfatória que suas congêneres públicas.
A grande “descoberta” do neoliberalismo é que classes sociais diferentes devem ter uma educação diferente de acordo com seu lugar social no processo de produção e circulação de mercadorias; é a ideologia da “regulação das aprendizagens” de Perrenoud e outros, cada escola deve ensinar seus alunos de acordo com suas expectativas na vida; nem todos aprenderão a mesma coisa, nem todas as escolas ensinarão a mesma coisa.
É a clássica educação de classe; para os burgueses e seus herdeiros uma educação clássica – universal, ciência e cultura geral – e para os trabalhadores e seus filhos apenas o estritamente necessário para servir ao capital. Não por acaso, na LDB, a alfabetização deve abranger todo o ensino fundamental e em vários estados, como São Paulo, ela compreende toda a educação básica.
O mesmo acontece no ensino superior. Com o PROUNI/REUNI estão sendo criados verdadeiros “escolões” destinados a formar mão-de-obra um pouco mais qualificada para o capital; são as instituições privadas financiadas pelo PROUNI e as instituições públicas filhas da expansão desordenada da REUNI, todas voltadas para os antes “excluídos” do ensino superior. A pesquisa se concentra, cada vez mais, em algumas poucas instituições de elite que trabalham em parcerias, cada vez mais frequentes, como mercado.
A expansão do ensino a distância é mais uma faceta desta “escola de classe”, do apartheid educacional, e não por acaso se destina fundamentalmente a formação de professores para o ensino público e aos antes excluídos do ensino superior.
A privatização/mercantilização ameaça diretamente o trinômio ensino-pesquisa-extensão de nossas universidades e o acesso à educação como direito de todos; não apenas por criar uma “escola de classe”, mas também por transformar o direito ao ensino e a aprendizagem como uma questão individual, ou se tanto familiar, como reza na LDB e na Constituição Federal; se a pessoa não aprende é um problema dela, de seu professor ou da família; nunca do Estado. O neoliberalismo é a negação da educação como direito e dever do Estado, transformou a educação em serviço, como prescreve a OMC.
Um programa socialista para a educação deve partir de uma premissa simples e elementar; educação somente será um direito de todos se for pública e estatal, o que implica na estatização do ensino privado, no fim das parcerias público-privadas e das fundações privadas nas universidades; verbas públicas somente para escolas públicas, na defesa do trinômio ensino-pesquisa-extensão nas universidades públicas e da autonomia universitária e no fim do PROUNI/REUNI e também no fim do ensino à distância.
NÃO EXISTE ALMOÇO DE GRAÇA
Esta frase do economista Milton Friedman, decano do neoliberalismo, necessariamente deve ser completada com outra: Quem paga a conta?
Os trabalhadores, a juventude, os professores e os demais trabalhadores da educação têm pagado a conta da privatização e da mercantilização do ensino com os baixos salários e as cada vez mais precárias condições de trabalho na educação básica; e no ensino superior com o aviltamento da profissão através da ingerência do capital privado nas pesquisas, o aumento do número de alunos por professor e com o achatamento dos salários.
A juventude sofre com a má qualidade do ensino básico, com o desemprego, com a violência e com a ausência de condições para freqüentar as universidades públicas; ano após ano as verbas para moradia estudantil, alimentação e bolsas são reduzidas. Segundo dados oficiais 20% dos jovens egressos do ensino médio jamais terão um emprego formal, o desemprego é três vezes maior na juventude do que nos demais segmentos da classe trabalhadora, os jovens formam mais de 64% dos desempregados do Brasil, a principal causa mortes entre a juventude é assassinato, seja pelo crime organizado ou uniformizado.
Enquanto isso “no andar de cima” alguns poucos nababos fazem a festa com o dinheiro público que poderia ser usado para melhorar a educação e a vida de milhões de brasileiros; tal qual Maria Antonieta e a nobreza francesa pré-revolução nos mandam comer brioches para aplacarmos a fome.
Segundo o governo federal (Lula), através do SIAF, os encargos com a dívida pública – juros e amortizações – consumiram 35,57% do orçamento de 2009; mais do que previdência social, saúde e educação juntas, que levaram no total 33,43% do bolo orçamentário, ficando cada uma das principais áreas sociais do governo com, respectivamente, 25,91%, 4,64% e 2,88%.
Os programas de assistencialismo do governo Lula, incluindo aí o fome zero, consumiram apenas 3,09% do orçamento, nem 10% do que foi doado aos agiotas da dívida pública brasileira; e quando foi estabelecido o corte de R$10 bilhões do orçamento de 2010 para fazer frente aos efeitos da crise mundial a equipe econômica de Lula não titubeou, cortou R$2,5 bilhões das verbas do ministério da educação.
O economista guru dos “Chicago Boys”, os economistas ultra-neoliberais da Universidade de Chicago, Milton Friedman tem razão: alguém deve pagar a conta; os grandes capitalistas que se esbaldam à custa do sofrimento de milhões.
Um programa socialista para a educação deve começar pelo não pagamento das dívidas interna e externa, passando pela estatização do sistema financeiro para termos mais verbas para a educação – de pré-escola a universidade – com o investimento de 10% do PIB como mínimo; com o atendimento de todas as reivindicações sindicais e profissionais de professores, estudantes e trabalhadores do ensino, piso salarial nacional para os professores de educação básica (piso do DIEESE por 20 horas/aula e 50 % de hora atividade); bolsas (alimentação, permanência e pesquisa) para todos os estudantes universitários.
DEMOCRACIA X MERCADO
A privatização, para ser aplicada de maneira consequente no interior das escolas, seja na educação básica ou na educação superior, assume necessariamente um viés autoritário; é a versão educacional da criminalização dos movimentos sociais. A burocracia escolar, diretores ou reitores, proclamam a liberdade individual do estudante, que este é o protagonista do processo de aprendizagem – na versão neoliberal e pós-moderna do construtivismo ninguém ensina ninguém e o aluno aprende sozinho – mas lhe nega, na prática dois direitos fundamentais, o acesso ao conhecimento e o direito de se organizar sindicalmente por local de estudo. Grêmio Livre são duas palavras que provocam a ira da maioria dos diretores, a grande maioria das instituições privadas no ensino superior perseguem e punem os estudantes que ousam organizar centros ou diretórios acadêmicos, o mesmo acontece em universidades públicas.
Esta conduta antissindical é a outra faceta da privatização; para negar o acesso da juventude ao conhecimento e à ciência e para servir governos diretamente vinculados ao capital, é necessário calar a voz dos que discordam.
Um programa socialista para a educação deve defender a total democracia no interior das escolas, faculdades e universidades; a irrestrita liberdade de cátedra; a mais ampla liberdade de ensinar dos professores e a total liberdade de aprender dos jovens; conselhos deliberativos e paritários formados por professores, alunos e pais (no caso da educação básica); eleições diretas para todos os cargos diretivos; total liberdade de associação, manifestação e expressão e o fim dos organismos de controle governamental ou inspeção escolar.
“AQUELE QUE SABE PELO QUE LUTA, LUTA MAIS E MELHOR”
(Oliver Cronwell)
Um programa somente faz sentido se estiver a serviço de uma estratégia, senão falarmos claramente aonde queremos chegar - como e por quem este programa será aplicado - pode se tornar um conjunto de frases de efeito, efeito duvidoso diga-se de passagem, algo parecido com as promessas dos partidos do capital – incluindo aí a esquerda oficial.
Tal como Marx acreditamos na força das ideias, que estas podem, e devem, ser a base de um movimento de transformação social, neste caso não apenas na defesa do direito universal a educação, mas também na luta pelo socialismo.
Não haverá genuinamente educação pública de qualidade para todos numa sociedade fundada na exploração, na desigualdade e na opressão; numa ordem social a serviço de uma minoria privilegiada, num mundo onde o sucesso individual só é possível com o fracasso de milhões.
É necessária a unidade das lutas educacional, sindical e política; as reivindicações salariais e funcionais dos professores são pedagógicas, nossas reivindicações pedagógicas são sindicais – pois somente serão atendidas enfrentando e derrotando os governos que servem ao capital contra a escola pública – e ambas são a base para uma educação pública de qualidade para todos. Mas, não nos iludamos, estas lutas assumem forçosamente uma dimensão política e estratégica; sua conquista implica na derrota do capital, é parte da construção de um projeto de sociedade.
As lutas cotidianas de jovens, professores, pais trabalhadores e demais trabalhadores da educação devem estar a serviço da sobrevivência diária neste “mondo canni”, neste reino da necessidade; mas também devem ser o passaporte para a construção diária, cotidiana, em cada local de estudo e trabalho do combate a exploração e a opressão, da construção do reino da liberdade, do socialismo.
Para tal é necessário a unidade de jovens - do ensino básico e da universidade – com professores e funcionários da educação – do ensino básico a universidade – e com os demais trabalhadores criando, juntamente com suas organizações, um movimento social poderosíssimo em defesa do direito universal a educação pública e de qualidade para todos.
*Gilberto P. de Souza – professor de rede estadual-sp e militante da APEOESP
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